quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Falta de controle prejudica ONG, diz Ruth

Para ex-primeira-dama, "pouco cuidado" na elaboração de convênios com organizações não-governamentais é causa de fraudes.

Ausência de avaliação e de metas, afirma antropóloga, abre brecha para corrupção no terceiro setor, formado por entidades boas e ruins

POR CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em tempos de denúncias contra organizações não-governamentais, a antropóloga Ruth Cardoso decidiu "militar" em defesa da parceria entre governo e sociedade civil. Para ela, os recentes escândalos "respingam" na credibilidade do terceiro setor, composto por organizações boas e ruins. Uma das principais incentivadoras dessa aliança com o terceiro setor, à frente do Comunidade Solidária, a ex-primeira-dama aponta o "pouco cuidado" na elaboração dos convênios como causa de fraudes. Segundo ela, a falta de avaliação de resultados e de competição para seleção de contratadas abre brecha para corrupção. Leia os principais trechos da entrevista concedida à Folha.


FOLHA - O que a senhora acha da CPI das ONGs?
RUTH CARDOSO - Só não gosto do nome. Devia ser a CPI das contratantes das ONGs. CPI das ONGs coloca em dúvida um setor inteiro.
FOLHA - Por que CPI de Contratante? A senhora acha que a irregularidade está...
RUTH - Quando você contrata sem exigir metas, sem definir tarefas e sem avaliar resultados, está criando uma condição na qual algumas vão se aproveitar dessa situação. Mas tem um problema que é da raiz dessa questão. As ONGs, quando começaram a se desenvolver aqui no Brasil, eram a salvação do país. Eram puras, dedicadas só ao bem. Uma visão muito positiva, quase ingênua. As ONGs, como são representantes da sociedade, refletem todas as posições. Não há posição certa na sociedade, existem grupos que defendem várias. A única posição que não é certa é a da intolerância.
FOLHA - Há intolerância, uma demonização das ONGs?
RUTH - Estamos passando para outro extremo. Como houve uma série de constatações e denúncias de desvio de dinheiro, as ONGs passaram a ser um conjunto diabolizado. Você pega um setor inteiro e confunde com algumas ONGs que, pelo que se sabe, têm, realmente, problemas no uso dos recursos públicos e privados. Busco uma visão mais objetiva. Nem tão puras. Nem tão ruins.
FOLHA - O que é mais delicado nos convênios hoje?
RUTH - São inúmeras as normas de convênios. Agora, realmente, todos estão baseados sempre na idéia de que você tem um certo estilo de prestação de conta, que não leva em conta o resultado. Não há avaliação de resultado.
FOLHA - O terceiro setor chega a receber R$ 1 bilhão por ano do governo. A senhora não acha temerário que assuma o papel do Estado, como na saúde indígena?
RUTH - Primeiro: por que é papel do Estado? E segundo: por que essa desconfiança? Vamos pegar a saúde indígena. A Fundação Nacional, que cuidava da saúde indígena, não tem recursos nem capacidade de dar conta de todo problema indígena, que é complicado no Brasil. Aí, você tem gente que trabalha bem, como tem convênios que não são tão bem cumpridos. Vou falar mal das ONGs ou vou falar mal do convênio, que deixou uma brecha para não ser cumprido tal como deveria?
FOLHA - A senhora não acha que escândalos recentes, como em SC ou do Silvio Pereira (ex-secretário-geral do PT), acabaram afetando a credibilidade das ONGs?
RUTH - Respinga, sim. Mas posso garantir que deve ter cem vezes mais ONGs que estão lá fazendo seu trabalhinho direito, aliás, com muita dificuldade de arranjar verba, isso sim. Mas isso é o resultado desse pouco cuidado na hora de definir o que é uma parceria com uma ONG e da pouca exigência. Se alguém cria uma ONG e consegue um contrato milionário no dia seguinte é uma coisa estranha, é uma falta de critério. Veja a Pastoral da dona Zilda, a Pastoral da Criança. Faz um trabalho cujo resultado é público e notório. É uma ONG. Mas a gente esquece que existe a dona Zilda. Acaba olhando para o Silvio Pereira.
FOLHA - Mas a senhora concorda que está pesando contra a imagem?
RUTH - Está pesando, estou tentando discutir exatamente isso. Como é que a gente está generalizando e jogando fora a criança com a água do banho. São inúmeras as contribuições.
FOLHA - Esse "pouco cuidado" já existia no governo passado ou cresceu agora?
RUTH - Certamente, não existia. Também não posso garantir que, no governo passado, não tivesse havido alguma falcatrua, porque essas coisas são um pouco incontroláveis, mas controles havia. O tipo de critério, de distribuição de recursos, era bastante mais discutido. Os montantes não eram tão grandes, mas é porque havia uma preocupação. Pelo menos no Comunidade Solidária. Não quer dizer que isso tenha, realmente feito escola em todo o governo. Mas havia uma idéia de que a parceria com a sociedade é uma coisa positiva. Então, acho que posso garantir que havia uma preocupação com critérios mais distintos.
FOLHA - A falta de cuidado acaba alimentando esses escândalos?
RUTH - Só uma situação, na qual você não tem critérios de avaliação de resultados, é que pode alimentar essa situação.
FOLHA -
É chato assistir a essa demonização?
RUTH - É claro que acho desagradável. Estamos dando um passo atrás. A gente caminhou no sentido de uma sociedade mais democrática, de maior participação da sociedade civil. E, de repente, a gente fechou um pouco essas portas e, outra vez, temos domínio de uma visão estatística. Porque isso tudo é resultado dessa visão, de que é o Estado que tem que fazer e que daí o Estado manda. Não há debates, critérios estabelecidos em conjunto. Então, acho triste para o país, sim.
FOLHA - Recentemente, surgiu notícia de que a CGU tinha feito uma devassa no alfabetização solidária (de que é sócia-fundadora). A constatação é de que teria cumprido apenas 10% da meta...
RUTH - Só lamento que você tenha lido essa notícia e não tenha lido, na semana seguinte, a resposta. Fizemos 10% a mais do que as metas.
FOLHA - Li. Mas a senhora acha que houve uma represália do governo? RUTH - Não posso atribuir intenções. Estamos num jogo político aí que quem inventou e por que, não sei. Só que tem uma inverdade complicada. Não houve devassa, porque foi uma corregedoria fazendo auditoria. Segundo, não são as ONGs da dona Ruth. Dentro dessa minha visão do que é o terceiro setor, tudo o que eu criei na Comunidade Solidária, todos os meus programas têm parceria público-privado. Fiz tudo ao contrário do que se faz. Mas continuo sendo acusada de fazer uma LBA. As ONGs têm autonomia. Mas comentam: as ONGs da dona Ruth.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Didá aposta na arte para educar jovens

Po Josenara Sales

“A Didá atua na transformação através do resgate da auto-estima e identidade cultural. Os jovens aprendem a amar a si, pois esse amor próprio previne contra as drogas, a violência, à iniciação sexual, preparando o intelecto das pessoas para o melhor”, afirma Vivian Caroline, coordenadora da instituição. A Associação Educativa e Cultural Didá nasceu no dia 13 de dezembro de 1994, idealizado pelo maestro Neguinho do Samba e desde então vem contribuindo para o desenvolvimento cultural de jovens de baixa renda, em especial “mulheres”, moradoras do Pelourinho e de outros bairros.
A associação funciona com alguns projetos paralelos, sendo a banda “a menina dos olhos” do projeto, na medida em que, a mesma divulga as ações da associação, nesse conjunto tem um grupo que já faz shows fora da cidade e outro que realiza apresentações aqui, formando um grande grupo de percussão. Além disso, tem o projeto de preparação para crianças, com aulas de canto e dança, cursos, carnaval e apresentações eventuais de espetáculo teatrais.
“Quando cheguei aqui não sabia nada, agora já tenho experiência e ensino um pouco do que sei as pessoas que chegam, vejo um futuro maravilhoso pra mim. Viajei pra França por causa da Didá, sempre falo com minhas amigas para entrar aqui, porque é ótimo”, diz muito empolgada a aluna Viviane Jesus, 14 anos, moradora do Pelourinho, que faz parte da Didá desde os 6 anos de idade, quando sua mãe resolveu matricular ela na associação para que ela tivesse uma oportunidade.
Atualmente a Didá conta com quatro funcionários e alguns professores voluntários, que geralmente são alunos veteranos e estudantes de outros estados ou países, que após fazer o contato com a instituição, vêm para Salvador e aproveitam o período para ensinar o que sabem. É o caso de Gisela Santos que veio dos Estados Unidos há quatro meses e desde então, ensina os alunos da Didá os passos do Hip hop.
Outro exemplo de cidadania é o do Thiago Nascimento, estudante de Línguas estrangeiras, da UFBA em Valença. “Sempre quis trabalhar com ações sociais e quando soube da Didá fiz o contato com eles e vim aqui pra Salvador, ensinar para esses jovens carentes, que necessitam de um apoio, para que eles possam ter a oportunidade de um futuro melhor”. Diz Thiago, que faz um trabalho áudio-visual, utilizando vocabulários do cotidiano para o fácil exercício do idioma. O método é o mesmo utilizado por ele no curso de Inglês no qual é professor.
Localizada no Pelourinho, a Associação Educativa e Cultural Didá precisa de reformas urgentes: desde a sua arquitetura até problemas de encanação e energia elétrica. Logo na entrada é possível perceber a estrutura simples e defasada. Mesmo com todas as dificuldades a Didá vem se mantendo firme em seus projetos, devido à boa vontade dos voluntários e funcionários, para isso eles vão criando ações que viabilizem o retorno financeiro, como show de cachê ou show de permuta onde trocam os ingressos por alimentos, materiais de limpeza, materiais para escritório.
“O samba reggae nasceu no Pelourinho e o tambor é um instrumento que faz parte da cultura local e é claro que os shows e apresentações geram renda, mas isso depende do evento, para as instituições privadas nós estabelecemos valores ou permutas, que variam de acordo com a característica do evento. Já as apresentações nas escolas ou setores públicos em sua maioria são gratuitos, essa realidade muda de acordo com a situação”, respondeu Vivian Caroline, ao ser questionada sobre a forte presença de meninas tocando tambor no Pelourinho, fato que atrai turistas para a comunidade. Atualmente eles não recebem apoio financeiro da prefeitura, embora esteja com toda documentação em dias para receber, eles conseguem eventualmente apoios para o carnaval por ser um evento grande necessita de patrocínio. Os cursos oferecidos pela associação são gratuitos e atende a todos os moradores da cidade de Salvador, independente do bairro, para os turistas, que procuram à instituição eles cobram uma taxa de acordo com o que eles querem aprender. Toda renda adquirida é revertida para as meninas que fazem parte do projeto e com a instituição, para o pagamento dos funcionários, conta de água, luz, dentre outras.

Crianças carentes se tornam Atleta-Cidadão

Por Juliana Guimarães
“Transformar crianças carentes em cidadãos” esse é o lema da Associação Camelot. Fundada há seis anos, pelo professor de judô, José Carlos Ledo de Oliveira, a instituição ensina através das artes marciais como o judô, os jovens de até 17 anos a terem disciplina e caráter, visando à inclusão social e oportunidade de uma vida melhor para famílias de baixa renda do bairro de Amaralina e da região do Vale das Pedrinhas.

A Associação Camelot para o Desenvolvimento Holístico do Ser funciona num local simples, porém aconchegante. Surgiu do sonho de Carlos Ledo em promover, a inclusão do judô na vida de crianças de baixa renda. Em parceria feita com a Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (SUDESB) e o Projeto Viva Esporte, Ledo conseguiu a doação de 150 kimonos para contribuir na sua ação. “A maioria das crianças que participam conosco não tem R$40 para comprar o uniforme e muito menos para o exame de faixa”, diz o professor, justificando o quanto é importante manter parcerias.

O Judô é um esporte que custa caro, afirma Ledo, por isso o projeto atleta-cidadão tem como objetivo incentivar pessoas a apadrinhar uma criança, o dinheiro arrecadado é destinado ao cadastramento do jovem, na Federação dos Esportes para participar dos campeonatos. O “padrinho” da criança paga uma taxa anual de R$380, que inclui uma taxa de cadastramento de R$30, taxa de inscrição em quatro campeonatos no total de R$60 e mensalidades no valor de R$240. O jovem torna-se então habilitado a participar de competições e eventos oficiais, exercendo sua cidadania como atleta regulamentado.

O apoio é fundamental para a continuidade de qualquer projeto. João Luís, 53 anos, atualmente desempregado, contribui com a associação da maneira que pode. Depois das aulas de judô, ele estimula a leitura e a criação de desenhos, desenvolvendo a concentração e a criatividade das crianças. “Já tivemos muitos alunos acostumados a brigar nas ruas, mas depois que passaram a praticar o judô, eles ficaram mais calmos, obedientes e disciplinados”. A estudante Renata de Oliveira, filha do fundador do projeto também dá assistência ao pai no andamento do seu sonho.

O poder da transformação através do esporte, tão discutido atualmente, vem demonstrando bons resultados na vida de muitos jovens. Por esse motivo, muitas instituições sem fins lucrativos estão buscando incluir a prática de esportes, considerados de elite, para crianças pobres que não tem oportunidade de praticá-los, em outro local.

Instituto Popó transforma jovens em atletas

Por Gina Santos

Sem contar com ajuda do governo ou de parceiros, o Instituto Acelino Popó Freitas oferece aulas de boxe para 160 crianças entre meninos e meninas, de 10 a 17 anos da comunidade do Arraial do Retiro, no bairro do Cabula. Com o objetivo de promover a inclusão social, o desenvolvimento, transformação da realidade e a mudança do cotidiano das crianças que não tem nenhuma perspectiva na vida, através do esporte e da educação, fazendo deles verdadeiros atletas.
Criado pelo tetra-campeão mundial de boxe, o projeto tem o ideal de fazer com que as crianças e adolescentes saibam dos seus direitos e deveres como cidadãos para que lutem por uma vida mais digna. “Tem muitos garotos na rua que estão precisando de um apoio. E foi com essa finalidade que abrimos o instituto, para que esses garotos saiam das ruas e tenham alguma oportunidade. Eles estudam à tarde e treinam de manhã aqui no instituto. Não ficam de bobeira, sempre terão alguma atividade”, conta o treinador de alunos, Luís Cláudio.
A sede localizada na Rua Flor das Barreiras é em um galpão, onde possui ringue e um vasto material esportivo, como luvas de boxe, sacos de areia, capacete protetor, bate saco, entre outros. As aulas acontecem pela manhã e pela tarde, duas vezes por semana, durante uma hora. A parte administrativa do projeto é formada por Conselho Superior, Conselho fiscal, Diretorias de Planejamento, Jurídica, Administrativa e Social. O único recurso financeiro que eles possuem é de Popó, que fez a compra do galpão e arca com as despesas do lugar, como água e luz e manutenção de equipamentos e materiais esportivos. Como voluntários, os treinadores dão as aulas e amigos e parentes ajudam no que for preciso.
A implantação do Instituto no bairro trouxe mais visibilidade e amenizou a incidência de assaltos. “Todos respeitam por saber que ali tem um lugar que é de Popó, e por saber que ele está sempre aqui. Até nisso o Instituto ajudou.” Conta Amélia, 55 anos. Ela que também tem um filho no IAPF e se diz orgulhosa de vê-lo se empenhando de verdade em alguma atividade. “Eles tratam o esporte e educação como prioridades na vida de uma criança, isso é muito importante. Eu sempre vou levá-lo no galpão, assisto às aulas e fico muito feliz. Vou agradecer ao Popó pra sempre, é um menino de ouro. Acredito que meu Felipe se interessou mais pelos estudos e com a saúde”, afirmou.
Alessandra Oliveira, 12 anos, enfrentou muito preconceito por ser a única menina da turma da tarde. Os pais não aceitavam e os seus colegas ficavam criticando e minimizando a capacidade dela de ser uma boa pugilista. Conta que enfrentou tudo isso e hoje está muito feliz com a escolha. Segundo ela, sempre teve uma vida sedentária. “Às vezes eu faltava aula na escola, porque não conseguia acordar cedo. Depois que comecei a fazer aulas no galpão e a participar dos torneios eu me senti melhor. Acho que minha saúde melhorou. Valeu a pena”, conclui com risos.
Daniel Santos, 14, fala que antes de entrar no instituto, ele ficava o dia todo nas ruas, correndo vários riscos. “A gente ficava no meio da rua, jogava bola, ficava andando pra lá e pra cá, ou então de bobeira mesmo. Agora a gente tem uma atividade decente, vamos lá pra o galpão treinar, é bem melhor”. Declarou.
O IAPF realizou recentemente um torneio na sede do projeto com mais de 250 pessoas. Foi o 1º Torneio de Boxe Sub-17. Eles competiram com alunos de outras academias de boxe da cidade e região. Foram 20 lutas e os alunos do Instituto Acelino Popó Freitas ganharam nove delas, com direito a medalhas e troféus. Para assistir ao torneio a entrada era de R$ 2ou 1 kg de alimento não perecível, que servirá como ajuda ao Projeto.